27 de janeiro de 2011

Doutor Miragem

Em diversos momentos de nossas vidas, um lapso nos ocorre: o que foi aquilo que vi? O que é isso que tenho em mãos? O que eu sou? O que é o que me roda? Nunca reparamos, no entanto, que possivelmente estejamos nos preocupando demais com aquilo que fazemos ou temos e deixamos de nos perceber.
Em Doutor Miragem, um dos melhores livros do Scliar que já li, um médico recém formado, após toda uma história de dificuldades para chegar ao patamar em que se encontrava, tem a possibilidade de finalmente ser alguém na vida. Afinal, sua infância e adolescência foram cobertos de dificuldades, de uma doença que quase o matou num trajeto de caminhão com o pai, dificuldades financeiras, amorosas. Quando é enviado a Piraí para ser o único médico da cidade, torna-se monstruoso, suprassumo, colocando suas ações e suas vontades à frente de tudo.
Fazemos por merecer aquilo que nos é imposto. Afinal, todos os dias temos atitudes que geram nossos desejos e a vontade de seguirmos determinado caminho. Quanto mais provamos os sabores que cada felicidade e cada tristeza nos proporciona, conhecemo-nos ainda mais. Assim, o caminho do protagonista da história se fez, cheio de percalços que dificultaram sua vida, mas para uma redenção ao final. Redenção essa que não necessariamente é prazerosa, mas segue um determinado desejo ambicionado pelo personagem desde o início da narrativa: ter sobre si o foco dos holofotes.
Nós queremos ter o holofote voltado pra nós mesmos? Quem sabe supomos que isso nos traga um laço de sentimentos bons. Não nos esqueçamos, no entanto, que cada movimento nos representa, mostra o que realmente somos. Mesmo que queiramos que nos vejam ou que saibamos o que é cada coisa ao nosso redor, precisamos ter a perfeita noção do que realmente somos e do que queremos.

Minha primeira vez com Maigret

O primeiro livro que li no litoral foi Maigret e o sumiço do Sr Charles. Estava pensando por qual obra começaria e cheguei à conclusão que um romance policial seria o mais divertido para começar. Afinal, como já fazia alguns dias que lia pouco, o melhor foi retomar por uma história mais instigante. E felizmente deu certo!
Foi a minha primeira vez com Maigret. Não conhecia exatamente como eram as obras do George Simenon, pois só havia lido fragmentos, nunca um texto completo. Assim, comecei a leitura do texto, e a chegada da misteriosa esposa do homem desaparecido já tornou o livro instigante: uma mulher que vivia bêbada, sem qualquer laço com a sanidade, acusa o desaparecimento do marido. O investigador desconfia, mas vai atrás das informações dadas. Como todo bom livro policial, o protagonista não investiga o crime meramente, mas todo o universo dos personagens envolvidos: o que fazem, o que são, a quem devem, etc.
O fim da história será omitido, pois acho que todos deveriam ler um pouquinho de Simenon. De qualquer forma, o texto não chega a ser totalmente surpreendente, mas a leitura é tão gostosa que o final deixa de ser o mais importante. Saber quem é o assassino e por que isso ocorre torna-se secundário - apesar de todos querermos saber o que aconteceu afinal. Ainda assim, toda a aventura mental das personagens destaca um pouquinho do mundo que temos à disposição: loucuras doentias, sanidades maleáveis, falta de imposição da verdade. De tudo aparece.
Foi minha primeira vez com Maigret e já quero a segunda. Tenho em mãos As férias de Maigret, mas ainda não sei quando o lerei. De qualquer forma, espero qu seja uma leitura deliciosa, bem como foi a primeira. No mais, passarei boa parte da obra investigando quem será o assassino e a que se devem os motivos de tais crime. É uma ótima leitura de férias.

24 de janeiro de 2011

De volta ao planeta...

Retornei de viagem no último sábado. Resolvi, no entanto, escrever apenas hoje, visto que ainda digeria as cinco leituras realizadas na última passagem pelo litoral. E foram realmente muito boas. Realizei duas substituições: li "Férias na neve", de Emmanuelle Carriére, e uma coletânea de contos do José Cândido de Carvalho, no lugar de "A verdadeira natureza" e "Sanga menor".
De volta à cidade, um pouco menos branco, mas com um bom número de leituras a mais. Pensei que não conseguiria ler tudo nesses dias. Propus as cinco leituras, mas crendo em três ou quatro. Ainda assim, o objetivo atingido poderia ter sido aumentado, caso não existisse mais nada a fazer pelo litoral... hehe As substituições foram de muito bom grado, pois a cada texto soube prender o leitor a sua maneira.
Nos próximos posts, aparecerá um pouco sobre cada um desses livros. Foi de se pensar em muita coisa, além de reavaliar algumas situações sobre as leituras dos alunos, inclusive. Acho que pra 2012 terei ainda outras mudanças, mais além das que já teremos nesse ano letivo.

16 de janeiro de 2011

Dos calores e das leituras

Sol de rachar. Quando escuto na rádio a temperatura, apontam 36°C. Quente. Muito quente. Não sou dessas pessoas que conseguem ler de qualquer forma: se a temperatura não ajuda, não consigo me concentrar. O jeito é procurar outras atividades que não me faça parar e me permitam ao menos não me concentrar tanto pra chegar ao regozijo.
Assim, faz dois dias que não leio. Terrível isso! Como ficam minhas postagens? Minhas resenhas? hehe De qualquer forma, assim que for possível, as leituras se reacomodarão. Parto para o litoral amanhã com cinco leituras na bagagem. Espero trazê-las todas prontas, apesar de já anteceder problemas no caminho para tal. Levo Doutor Miragem, do Scliar; A verdadeira natureza, de Alice Hoffmann; Sanga menor, de Cintia Lacroix; Meninos valentes, de Patrick Modiano; e, para me agradar com leituras de mistério, Maigret e o sumiço do Dr. Charles, de Georges Simenon.
Espero que os dias de calor de lá sejam regados a momentos com ventos - isso se uma chuvinha não quiser dar sinal de vida. Assim, as possibilidades de atividades externas são menores e poderei me concentrar nessas leiturinhas edificantes. Espero que São Pedro, ao menos dessa vez, esteja ao meu lado e colabore pra que eu consiga terminar meu curto objetivo de 20 livros nessas férias.

15 de janeiro de 2011

A pintura e o descritivismo

Após a leitura da obra Homem Comum, de Philip Roth, deparo-me com uma questão muito curiosa para os apreciadores da arte: qual seria a pintura ideal para a visão? Aquela coberta de detalhes, que valoriza as formas reconhecidas, como uma Monalisa, ou a pintura mais abstrata, recoberta de sentidos inconscientes, como a produzida pelos modernistas?
O Homem Comum de Roth é um ser que falecera, mas que buscou durante a vida explicações sobre sua própria existência e que, desde pequeno, estabeleceu contato com a morte. Há vários flashes no decorrer da narrativa: a relação com o pai, o seu trabalho na relojoaria, a relação com seu irmão Howie, com as três esposas, com as amantes, com os filhos. Cada um tem seu espaço distinto no decorrer da narrativa, permeada de detalhes que tornam o texto, em certo momento, bastante denso e pouco fluente. Ainda assim, é uma obra que destaca a natureza do homem e sua relação com seus medos, principalmente quando se refereàs perdas.
O protagonista da história, quando idoso, vai para uma comunidade litorânea frequentada apenas por aposentados. Visto que a morbidez do local não é pequena, resolve dar aulas de pintura aos moradores. Assim, redescobre-se útil e ajuda aqueles convivas que não tinham maiores atividades durante o dia. Aí entra a pergunta feita inicialmente no texto: numa de suas aulas, ele pede que os alunos interpretem a natureza morta (frutas, xícara, bule) e façam suas telas. Ao verificar a produção de cada um, percebe que algumas "bizarrices" acontecem, alguns fraquejam, outros desejam abstrações. É difícil delinear um mesmo raciocínio para todos os presentes. De qualquer forma, a pintura solicitada pelo personagem é a de formas razoavelmente fixas, bem como o faz o narrador, ao descrever com tantos detalhes cada elemento do texto.
Se uma produção artística dotada de detalhes é o que melhor faz a mente de quem a vê, um texto como o de Roth possivelmente também o fará, já que cada elementos exposto é visto com uma série de termos que o elucidam. O leitor deve estar preparado para enfrentar esse tipo de situação, pois a cada movimento da narrativa, um novo detalhe está colocado. Cabe a cada um desdobrar a narrativa - e a nossa cabeça, para filtrar todas essas informações.

12 de janeiro de 2011

Erotismo leve para moças recatadas

Recebi esse texto do site Amálgama. Vale conferir!

por Michelle Horovits
Segundo Jung, quando um fenômeno psi­cológico forte acontece na vida de um indivíduo, isto demonstra que um tremendo potencial inconsciente está prestes a emergir, prestes a manifestar-se na consciência. Em certo ponto da história de uma sociedade, uma nova possibilidade surge do inconsciente coletivo. O amor romântico é um desses fenômenos estranhamente bizarros que surgiram na história dos povos ocidentais. Foi algo que esmagou nossa ideia de amor e alterou para sempre nossa visão do mundo.
E com esse começo bárbaro temos as clássicas histórias de amor, receitas de comédia romântica hollywodiana, e os subestimados, mas não menos importantes romances de banca. Com personagens lindas, loiras e estupidamente apaixonadas à moda ocidental, eles espalham a ideia de um amor perfeito, com homens maravilhosos e viris e que duram a eternidade de suas poucas páginas.
Com o batido “No fim eles viveram felizes para sempre”, porque essa é a fórmula que rende milhões de dólares até hoje e que é a base desse império dos romances banca, estes livretos podem ser comprados pela bagatela de R$ 5,00 ou menos em qualquer esquina que se preze e que tenha um jornaleiro.
Devo confessar que grande parte da minha bagagem literária começou com o afanar dos livrinhos que minha mãe escondia tão bem no guarda-roupa. Era Rebeca, Sabrina, Bianca e Jéssica, todas grandes conhecidas. Minha mãe afirmava que eram romances muito pesados para os meus 11 anos, pois descreviam cenas picantes para as moçoilas. A verdade é que a pegação rolava solta entre os condes, princesas e tudo o mais.
Mas o grande segredo para cativar o público (entenda-se mulheres, e 80% na faixa dos 30), era que as cenas eróticas não poderiam ser pornográficas. Tinha que ser como os Emanuele que passavam de madrugada na TV. As cenas de sexo devem ser contadas em detalhes, mas sem apelar para palavras pesadas (entenda-se que pau nunca apareceu naquelas folhas) ou gírias. Afinal é erotismo leve para moças recatadas.
Os primeiros livretos apareceram no Brasil, nas décadas de 40 e 60, e tinham o nome nada preconceituoso de Coleção Biblioteca para Moças. Tratava-se de “literatura cor-de-rosa”, como passou a ser chamada. Se aproveitar do imaginário romântico do mulherio foi infalível, pois de acordo com uma pesquisa do Daily Mirror, os tais romances estão entre os mais vendidos de 2010 entre os livros eletrônicos (e-books) e o Kindle, alcançando 57% de vendas.
Uma das favoritas e mais famosas escritoras desses romances água com açúcar é a inglesa Bárbara Cartland. Lembro que ela apareceu de roupa azul e cara pintada bem velhinha em algum Guiness que eu tinha quando pequena. A escritora vendeu mais de 1 bilhão de cópias e escreveu 723 romances. Entre eles o Valsa Encantada, guardado até hoje entre os clássicos da literatura na estante de casa.
Os enredos são meio batidos; quem quiser conhecer as moças, deixe-me apresentá-las. Os nomes existem para separar categorias. Nos tipos “Sabrina” sempre tem um casal infeliz que supera tudo; sempre se desenrola nos dias de hoje. “Jéssica”: tem tipos mais “calientes”, muitas cenas de amor na praia, em castelos com homens viris e sarados e promessas de amor eterno à luz da lua. “Bianca” é para as mulheres que gostam de sagas na Idade Média e sonham em ser rainhas e princesas; tem o casal que passa milhares de dificuldades para ficar junto, sogras doidas, condes, casamentos, lutas pelo amor da mocinha e tudo o mais que interessa para as fãs românticas.
Aliás, o que realmente importa nesses livretos é que no final o casal tem que viver feliz para sempre após enfrentar muitas dificuldades para conseguir ficar juntos, e que em cada página a leitora possa encontrar as fortes declarações de amor do galã para a mocinha e o lindo casamento no fim. Tem que se passar em lugares exóticos e distantes e ter uma moça bonita e um galã sem camisa na capa em posição de quase beijo. As mais famosas são as capas com Mika Dale. Enfim, o que importa é não existir na vida real, ser barato, fácil e alimentar essa ideia de amor frufru ocidental perfeito, que no fundo no fundo (bem lá no fundo), todas nós adoramos.

O pasto e as securas do homem

Ao passar a tarde na casa de minha mãe, li um livrinho de poemas dum gaúcho de Alegrete chamado Russel Vaz Morais, O pasto. No meio de tantas leituras que gostaria de fazer - tendo as esquecido em casa - resolvi apelar para os livros de meu irmão. O próximo da lista, inclusive, é Homem comum, do premiado Philip Roth.
Na coletânea de poemas dispostas pelo autor, percebe-se uma grande relação entre o homem e o campo, possivelmente pela maior proximidade que há entre a origem do autor e sua convivência. Também existem textos, porém, que escancaram uma certa realidade da sociedade do interior e da capital também: a essência da futilidade. Num dos poemas, que trata sobre baile de debutantes, há a diferenciação dos objetivos do menino que vai à festa e da socialite: enquanto um anseia pela visão daquela menina amada, a outra anseia pela visão de todos, como foco centralizador de um evento. Quanto ao menino, sabe-se que, desde sempre, o homem busca a mulher para sua relação futura, para o encontro amoroso; quanto à socialite, qual objetivo teria se não apenas ficar em evidência? Busca também ser o foco do menino? Quer mais do que olhos a lhe observar? O que deseja alguém que quer apenas ser lida e se ler num jornal ou numa revista?
Questões simples, mas que podem trazer com força a futilidade humana. Afinal, se o bem comum avança as fronteiras da individualidade, não haveria necessidade de que o foco fosse único. A visão das pessoas por vezes é tão reduzida que se esquece que o próximo necessita mais de atenção do que a si próprio. Veja o menino do poema, por exemplo: seria ele tímido? Seria quem sabe apaixonado pela debutante? Buscaria fazer algo para agradá-la ou para que se sentisse melhor com ela? Também não sabemos. O que fica, porém, é que a busca do menino é muito mais válida que a da mulher, já que seu sonho pode determinar sua vida com muito mais significados que a dela.
Um livro simples, mas com poemas bastante relevantes para pensar. Um tema simples, como o baile de debutantes, e as inúmeras possibilidades a se concretizar. A leitura da tarde teve seus pontos interessantes. Espero, agora, que o Homem comum seja realmente alguém de valor, pois até mesmo o comum pode superar toda a futilidade que nos ronda cotidianamente.

10 de janeiro de 2011

A cor me cega?

Dentre as atividades eletias para as férias, obviamente está passar um bom tempo reouvindo boas músicas. Volta e meia procuro umas letras para ver quais seriam os motivos que me levam a tal gosto. Eis que me deparei com Color me blind, do Extreme, e suas possibilidades tanto de significação quanto de trabalho.
Na música, o eu-lírico indica que sonhou com a cegueira, não podendo ver as cores do mundo. Dessa forma ele passa a tentar explicar o que é o retrato do mundo: sem cores, as guerras e os conflitos se tornam mais vistos, pois são as memórias em preto e branco, que devem ser relegadas ao esquecimento. Ainda assim, as cores não aparecem com constância, mas sempre se questiona por que tudo isso acontece. Também é citada a questão de observar uma "terra prometida", aquela que faria com que as pessoas escapassem do mundo preto e branco. Como é uma possibilidade apenas, não se enquadra como algo real, e o mundo bicolor é mais evidente.
Fico pensando em relação aos meus alunos DVs: será que o mundo que eles não observam é necessariamente um mundo de destruição e desgraças? Talvez para alguns que degustaram da visão durante um bom tempo e ficaram sem a mesma, sim. E para aqueles que nunca viram? Que não sabem o que são formas ou cores ou a distinção física entre belo e feio? Não creio que possamos instigá-los a crer em mundos diferentes apenas pelas cores.
Naturalmente, uma série de considerações devem ser acionadas para concluirmos o que é o mundo com ou sem cores, mas a cromatologia nos mostra que se geram inúmeros significados para cada uma: por que o branco para o casamento? Por que a morte é preta? Por que filmes de assassinatos são cobertos de vermelho? E o verde para a esperança? Só que para os deficientes cada um desses significados talvez não  lhes traga nada, visto que vários nem conhecem azul, cinza, amarelo...
A música tem um significado muito bonito: colorir o mundo para mostrar sua beleza. De qualquer forma, as cores não cegam apenas os que veem, mas os que não veem também: um ramo de significados pode lhes ser excluído. Vale pensar em tudo na hora de ouvir um som. Mesmo no próprio trabalho.

9 de janeiro de 2011

Nathalie X: o X da questão em cada narrativa

Sempre gostei de romances policiais. Na verdade, muito mais que policiais, histórias de mistério, em que se descobre a situação de um crime depois de inúmeras pistas deixadas e descobertas no texto. Um mundo imaginário permeia nossa mente até que a resposta chega - muitas vezes distante do que esperávamos.
Contradizendo isso, a obra O destino de Nathalie X e outras histórias marca um tipo de policial que não se baseia necessariamente na busca por um final apoteótico ou dotado de suspense: marcam-se diversos relatos de pessoas que viram, presenciaram ou suspeitaram de algum crime - o suficiente para montar a narrativa. Sendo assim, nos contos apresentados por William Boyd, há a seguinte situação: um crime foi executado; pessoas viram algo; compila-se os dados e a história está pronta. Há uma certa frieza na narrativa, o que torna a obra até certo ponto desgostosa, mas não menos curiosa para saber qual é o ponto de vista do narrador sobre os ocorridos.
Uso como exemplo o texto N de N, a narrativa mais curta presente. Fala-se sobre uma personagem nascida no Laos, que teve um determinado tipo de vida e acabou morto atropelado por uma bicicleta. Naturalmente se diz sobre o que ele fez, a obra-prima que escreveu, o sonho de morar em Paris, mas meramente descritivo, sem qualquer movimento de ação no texto. Sendo assim, aquilo que se espera de um texto policial se perde em pouco tempo.
Há amantes das mais diversas literaturas perdidos por aí. Claro que o gosto de cada um deve ser considerado na hora de escolher um livro para leitura, mas volta e meia somos surpreendidos pelo que o texto nos apresenta. Fui surpreendido novamente - apesar de negativamente - e julgo ser necessário continuar a incessante busca por um texto que seja o ideal para nós. Alguns autores já me deram esse prazer, mas William Boyd infelizmente não foi um deles.

8 de janeiro de 2011

Dez (quase) amores e (centenas de) risos

Ler obras da Cláudia Tajes está virando um pequeno vício, que venho cultivando desde Louca por homem. Pequenas cômicas tragédias na vida de uma mulher que busca o encontro com a felicidade são as tônicas de obras que abrangem muito mais do que o perigo dos relacionamentos amorosos. Isso se comprova na obra citada, em A vida sexual da mulher feia e Dez (quase) amores.
Maria Ana é uma mulher que, desde tenra idade, sofre com as desilusões amorosas. Mágico de circo, cardiologista e pintor são alguns dos tipos masculinos que penetram as dificuldades da personagem. Visto que no início da obra a narradora já expõe sua aversão por determinados tipos masculinos, presume-se que dificilmente ela seguirá seus próprios requisitos ou encontrará alguém à altura de seu desejo. No entanto, no decorrer da narrativa, os problemas a tornam cada vez mais suscetível aos homens que casualmente lhe aparecem, mantendo relações esdrúxulas, mal resolvidas e - por que não? - altamente desamorosas.
É interessante perceber, no entanto, que, por trás de uma mulher que não consegue encontrar o amor ideal, está uma jornalista formada, que desempenha suas atividades com perfeição; tem uma vida social bastante razoável com família e amigos, que prontamente a atendem ou ela a eles; embeleza-se muito pelos homens que encontra, mas não se menospreza perante as dificuldades encontradas. Sendo assim, é um protótipo perfeito do que observamos no cotidiano: mulheres mais ativas, mais fortes, que trazem seus ideais para serem praticados.
Uma obra como essa é passível de inúmeras risadas. A expressão determinada pela autora mostra uma ironia simples, mas dotada da mais alta complexidade quando relata o envolvimento amoroso. Dar errado numa relação é algo da vida, mas fazer com que várias pessoas riam da desgraça alheia - que poderia ser a nossa própria - é coisa de bons autores.

5 de janeiro de 2011

O mito do eterno retorno ou a busca de si em cada um?

Volto a escrever no blog pra tratar de algo que me dá muito prazer. Li mais uma obra do Bernhard Schlink. Dessa vez, perdi-me em tempo lendo A volta pra casa, o romance mais longo do autor, mas não menos impetuoso e repleto de buscas infinitas sobre si próprio. Termino de ler a obra dele com a sensação de que gostaria que tivesse produzido ao menos mais umas 20 obras. Acho que nunca gostei tanto de um autor quanto desse alemão velho.
O enredo da história se faz a partir da leitura da obra Leituras leves e divertidas, que os avôs de Peter Debauer compilam, a partir de inúmeros originais que lhes são enviados. O gosto do menino Peter pela leitura se expande ao ler aventuras relativas à 2ª GM, apesar de os compiladores dizerem que não deveria ler uma página do que ali estivesse. A vontade foi tanta que chegou aos seus olhos a história de Karl, um antigo guerrilheiro que fugia das consequências da derrota alemã e retorna à sua antiga casa, revendo a esposa. Esse último detalhe, no entanto, é omitido, o que faz com que Peter comece uma busca grandiosa por saber a real história daquela personagem. Enquanto a narrativa mostra todo o crescimento psico-afetivo e intelectual do leitor, uma busca desenfreada por saber quem é seu pai e qual a sua origem permeia o texto.
Novamente, a obra do autor expele situações de beleza única. A vontade de encontrar os resquícios de um passado nebuloso o tornam obsessivo, contudo lúcido para todas as conclusões. Ao descobrir quem é seu pai, um rearranjo na narrativa questiona o leitor: de que vale o passado se as impressões para seguir adiante se prendem ao presente? Será que o que somos é determinado por ações que já nos transformou em quem se está ou a possível modificação do futuro se dará pelas atitudes que queremos em relação aos demais? Num jogo de ida e volta, de presente e passado, numa mente que, em primeira pessoa, discorre sobre sua criação, suas leituras e suas frustrações, a conclusão que Schlink nos permite chegar amplia o horizonte da existência de cada ser: somos aquilo que nos forneceu o passado, mas angariamos um futuro a partir de nossos desejos. Ou, como diria uma das máximas presentes na obra O pequeno príncipe, "te tornas responsável por aquilo que cativas".
Se a nossa existência dependesse apenas de nosso passado, nunca um futuro chegaria com possibilidades melhores. Afinal, cada um teve seus atos e suas consequências. Infelizmente, nem tudo é o que desejamos, mas aquilo que realmente queremos também deve se fazer presente. Num ato de coragem e curiosidade, Debauer buscou o encontro com o passado. No entanto, seu maior desejo foi, singelamente, voltar para casa. Nós também queremos nosso lar calmo e sereno, para que, ao voltarmos, notemos que toda nossa busca por uma vida melhor tenha sido reflexo de atitudes significativas e compreensivas. Somos também tudo aquilo que queremos ser. Bem como também queremos voltar pra casa.